Pedido de Reabilitação Crimiminal

Pedido Reabilitação Criminal após transcurso de 05 (cinco) anos do cumprimento da pena



EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA xxª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE... - ESTADO .......
Nome ( do solicitante ) brasileiro, solteiro, portador da Carteira de Identidade RG nº... SSP-/ e do CPF/MF sob nº..., residente e domiciliado na Rua..., nº..., Centro, nesta cidade de..., Estado .....,  vem mui respeitosamente perante Vossa Excelênciarequerer a sua REABILITAÇÃO, com fulcro no artigo 93 e seguintes do Código Penal e 744 do Código de Processo Penal, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

I - PRELIMINARMENTE

Dos benefícios da Justiça Gratuita
Na forma do artigo , da Lei nº 1.060/50, o Requerente declara-se incapaz de arcar com as custas e despesas processuais, sem prejuízo do sustento próprio e de sua família, razão pela qual, requer a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, conforme declaração acostada .
II – FATOS E FUNDAMENTOS
1. O Requerente foi processado e condenado pelo crime previsto no artigo 155, § 4º, inciso IV c/c art. 71, todos do Código Penal, conforme se extrai da Certidão da Vara de Execuções Penais de .........
2. A pena imposta foi de ...... (.....) anos e  (.....) meses e ...(.....) dias multa.
3. O trânsito em julgado da sentença proferida por este D. Juízo, deu-se em ..../...../....
4. A extinção da pena, deu-se em ..../...../..... (Quanto à pena de multa/ se houver ), o Requerente compareceu perante a Vara de Execuções Penais e justificou a não possibilidade de pagar o quantum debeatur, uma vez que não tinha condições financeiras para tal.
5. Desde a data do cumprimento da pena, o Requerente reside nesta cidade e comarca de ....., Estado .................., local onde reside e encontra-se estabelecido profissionalmente, conforme documentos juntados .
III – DO DIREITO
6. Nos termos do art. 94 do Código Penal, é direito do condenado requerer a reabilitação criminal, decorridos dois anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena.
7. No caso em tela, já se passaram mais de ... (....) anos da prolação da sentença condenatória e mais de ...(...) anos, de extinção da pena, ante o cumprimento da reprimenda pelo Requerente, o que lhe dá direito ao pedido de reabilitação, de conformidade com o art. 743 e seguintes, do Código de Processo Penal.
8. O requerente, desde a condenação e efetivo cumprimento da pena, até a presente data, tem demonstrado efetivamente manter bom comportamento público e privado, conforme se observa pelos inclusos Atestados de Antecedentes Criminais e Certidões Judiciais , a par das declarações firmadas por 02 (duas) pessoas , com firma reconhecidas, dando conhecimento que o requerente é boa pessoa.
III. A – Do preenchimento das condições à reabilitação
9. Conforme dicção do art. 94 do Código Penal, a concessão da reabilitação encontra-se vinculada a duas condições essenciais: a) trânsito em julgado da sentença condenatória, sob pena de carência da ação e, b) decurso de dois anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução.
10. O Requerente preenche os requisitos necessários à reabilitação, conforme documentação que ora instrui o petitório, ou seja, o trânsito em julgado da sentença condenatória assim como o decurso do lapso temporal exigido pela norma penal encontra-se perfeitamente atendidos no presente caso.
III. B – Dos requisitos da reabilitação
11. Conforme dispõe os incisos I a III do artigo retro mencionado, para a obtenção da reabilitação é indispensável que o condenado satisfaça determinados requisitos: a) domicílio no país, após a extinção da pena ou o término de sua execução, pelo prazo de dois anos; b) demonstração, efetiva e constante, durante esse tempo, de bom comportamento público e privado e; c) ressarcimento do dano causado pelo crime ou demonstração de absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exibição de documento que comprove a renúncia da vítima ou a novação da dívida.
12. In casu, o Requerente comprova que não respondeu nem está respondendo a processo penal no período dos dois anos a partir da data do cumprimento da pena, conforme folha de antecedentes e certidões criminais expedidas pelos cartórios desta comarca em que residiu durante esse período de tempo.
13. Ademais, o Requerente apresenta atestados de pessoas idôneas que comprova tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado, demonstrando com isto a ressocialização do interessado, merecendo, portanto, a concessão da reabilitação.
14. Neste sentido é a jurisprudência dos nossos tribunais. Vejamos:
“RECURSO CRIME "EX OFFICIO". - Pedido de reabilitação. - Punibilidade julgada extinta pelo integral cumprimento da pena imposta. - Decurso de dois anos a contar da extinção da pena - Concessão do pedido - Confirmação da sentença. Resultando plenamente satisfeitos todos os requisitos legais exigidos, é de rigor seja declarada judicialmente a reabilitação dos requerentes. Recurso necessário improvido”. (617932 - PR Recurso Crime Ex Officio - 0061793-2, Relator: Martins Ricci, Data de Julgamento: 19/02/1998, 2ª Câmara Criminal).
“RECURSO CRIMINAL EX OFFICIO - REABILITAÇÃO CRIMINAL - CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS - SENTENÇA MANTIDA- RECURSO DESPROVIDO Estando preenchido os requisitos previstos no artigo 94 do Código Penal a concessão da reabilitação é medida inarredável”. (25553 SC 2003.002555-3, Relator: Solon d´Eça Neves, Data de Julgamento: 07/03/2003, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: Recurso Criminal, de Joinville).
“RECURSO EX OFFICIO - REABILITAÇÃO CRIMINAL - CP, ART. 93 C/C ART.743 DO CPP - REQUISITOS LEGAIS PARA A CONCESSÃO PREENCHIDOS - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. A reabilitação criminal é direito conferido ao condenado que demonstrou, após o cumprimento da pena ou de sua extinção de punibilidade, sua readaptação à vida em sociedade, tendo como objetivo, precipuamente, assegurar o sigilo dos registros criminais (CP art. 93, caput) e afastar alguns efeitos secundários eventualmente decorrentes da condenação (CP, art. 93, par. Ún.). Em havendo nos autos elementos capazes de comprovar os requisitos estabelecidos nos arts. 743 e 744, ambos do CPP, impõe-se a manutenção da decisão que deferiu o pleito de reabilitação”. (599171 SC 2009.059917-1, Relator: Salete Silva Sommariva, Data de Julgamento: 21/01/2010, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: Recurso Criminal).
15. Quanto à prova do ressarcimento do dano causado pelo infração, dispõe o Código Penal que é necessária a prova de que o interessado tenha ressarcido o dano causado ou demonstre absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido.
16. No caso, impossibilitado está o Requerido de ressarcir o dano causado pelo crime cometido, uma vez que a (s) vítima (s) já não podem ser encontradas, visto não mais residir nos endereços que outrora eram encontradas.
17. Sob tal condição, ou seja, possibilidade de serem encontradas as vítimas, aplica-se a hipótese de isenção da reparação do dano, quando presente a prescrição no âmbito civil do direito à indenização.
18. Tal é o entendimento da jurisprudência. Vejamos:
“PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 94, CP. REABILITAÇÃO. REQUISITOS. RESSARCIMENTO DO DANO. INÉRCIA DA FAMÍLIA DA VÍTIMA. ART. 94CP - Para fins de cumprimento do requisito objetivo previsto no art. 94III, do CP, deve o condenado, necessariamente, ressarcir o dano causado pelo crime ou demonstrar a absoluta impossibilidade de fazê-lo ou exibir documento que comprove a renúncia da vítima ou a novação da dívida (Precedentes do STF). Se a vítima ou sua família se mostrarem inertes na cobrança da indenização, deve o condenado fazer uso dos meios legais para o ressarcimento do dano provocado pelo delito, de modo a se livrar da obrigação, salvo eventual prescrição civil da dívida (Precedentes do STF). Recurso desprovido”. (636307 RS 2004/0033208-9, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 18/11/2004, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 13/12/2004 p. 430LEXSTJ vol. 185 p. 356)
“REABILITAÇÃO CRIMINAL - RECURSO DE OFÍCIO - PREENCHIDOS OS REQUISITOS I E II DO ART. 94 DO CPDESNECESSÁRIA SE FAZ A PROVA DA REPARAÇÃO DO DANO, EM VIRTUDE DA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO À INDENIZAÇÃO - SENTENÇA CONFIRMADA”. (Recurso de Ofício nº 000.175.825-9/00 – Relator: Kelsen Carneiro – Data do Julgamento: 13/06/2000 – Data da Publicação: 02/08/2000.
19. No caso sob exame, entre a data dos fatos delituosos e a presente data, já houve o transcurso de ....(....) anos. Entre a data do cumprimento da pena e a presente data, também houve o transcurso de mais .... (...) anos. Dessa forma, no presente caso, o direito a qualquer indenização das vítimas - caso as mesmas fossem encontradas – estaria prescrito, não havendo mais possibilidade de ser compelido o devedor ao adimplemento de eventual dívida, nos termos do artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil, in verbis:
“Prescreve:
I - (...);
[...]
V – a pretensão de reparação civil;
(...);” (Negritamos).
20. Portanto, Excelência, a pretensão do Requerente encontra-se amparada em suporte fático-legal para fins de ver seu pedido deferido, tendo como objetivo o sigilo dos registros sobre o processo e efeitos da condenação. Trata-se de um direito do condenado que preencher os requisitos legais, decorrente da sua reintegração social após o cumprimento da pena, sendo o que se pede e espera.
IV - DOS PEDIDOS
DIANTE DE TODO O EXPOSTOREQUER digne-se Vossa Excelência:
a) Conceder a reabilitação ao o Requerente, (nome ), da condenação imposta nos autos do Processo-Crime nº.../, que teve seu regular trâmite perante esse I. Juízo.
b) A oitiva do DD. Membro do Ministério Público;
c) A distribuição do pedido, em apenso aos autos do Processo-Crime nº.../  Vara Criminal da Comarca de...;
d) Após a oitiva do representante do Parquet e a acolhida do pedido, a expedição de ofício ao Instituto de Identificação da Polícia Civil do Estado ......, cientificando o órgão da concessão da reabilitação, para adoção das medidas pertinentes.
e) A concessão do benefício de Assistência Judiciária Gratuita nos termos do art.4º da Lei nº 1.060/1950, por razões de não ter condições de litigar arcando com custas do processo, sem prejuízo da própria subsistência e de sua família, conforme declaração em anexo.
Nestes Termos,
Pede e espera Deferimento.
Cidade, data de 2015.


ROL DE DOCUMENTOS PARA INSTRUIR O PRESENTE PEDIDO 

 01 – Declaração de hipossuficiência
 02 – Certidão da Vara de Execuções Penais de onde tiver cumprido sua pena 
 03 – Contrato Social e Comprovante de endereço
 04 - Atestados de Antecedentes Criminais e Certidões Judiciais (Varas Criminais)
 05 – Declarações


Greves de fome são uma opção válida para protesto de presos no Brasil ? Não !

Greves de fome são uma opção válida para protesto de presos no Brasil ? Não !





Atualmente, o sistema prisional brasileiro não possibilita muitas formas de protesto ao preso, seja em qual situação precária estiver. Sem voz na sociedade, este sequer têm direitos políticos para influenciar na melhoria da situação carcerária. Em outras palavras, as centenas de milhares de prisioneiros não têm a principal arma que um cidadão possui para influenciar sua vida positivamente: o voto.
Sendo assim, são poucas opções ao preso comum: um documentário aqui, outra reportagem acolá. Na maioria das vezes, deve aceitar sua situação calado. Rebelião costuma ser criminalizada e raramente as reivindicações são levadas a público - a única notícia que chega às telas é o próprio fim da manifestação dos presos, sem que se tenha dados sobre como se chegou até lá, ou se os pedidos (quais eram?) foram atendidos.
Uma das opções usadas em todo o mundo quando direitos políticos básicos são suspensos (liberdade de expressão, manifestação e voto, por exemplo) é a greve de fome, isto é, a interrupção voluntária da alimentação como forma de protesto político. 
Luaty Beirão, rapper angolano, pôs fim ao jejum de mais de trinta e seis dias no último mês de outubro, após ser preso por supostamente conspirar para a destituição do presidente do país, José Eduardo dos Santos. Ao adotar a greve de fome como método político de protesto, Luaty conseguiu chamar atrair os olhares de todo o mundo para o seu caso e dos seus outros 16 colegas acusados pelo mesmo crime. No dia 17 de dezembro, pela pressão política no caso, os ativistas foram enviados para a prisão domiciliar.
Greve de fome costuma constranger internacionalmente aqueles com o poder de atender as demandas políticas. Um dos locais que costuma ter que dar satisfação ao cenário internacional é Israel, que, no meio desse ano, autorizou a alimentação forçada em presos palestinos, prática considerada como tortura. Bush e Obama tiveram que lidar durante seus mandatos com greves de fome em Guantánamo. Pouco mais distante das lentes ocidentais, o governo de Myanmar (antiga Birmânia) sofre apuros toda vez que a Nobel da Paz Aung San Suu Kyi resolve não mais comer para protestar políticamente pela Democracia.
Cada vez mais, no Brasil, greves de fome são armas de presos para um efetivo diálogo com a Administração. Somente nos últimos dois anos, episódios no Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Mato Grosso, sendo que muitas vezes o protesto pacífico não chega às mídias tradicionais.
Há que se ressalvar que o preso ou presa que começa uma greve de fome corre o risco, pelos entendimentos de tribunais brasileiros, de incorrer em falta grave no cumprimento de pena. Isso porque há casos de julgados que enquadram a conduta em um artigo de duvidosa constitucionalidade, por se tratar de uma descrição muito abrangente - "incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina". A falta grave acarreta em uma série de prejuízos, como a regressão de regime, perda de direito de visita, entre outras punições.

POPULAÇÃO CARCERÁRIANO BRASIL DEVE CHEGAR Á 2 MILHÕES DE PRESOS



População carcerária deve triplicar até 2030 e chegar a 2 milhões de presos



Dados do Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança 

Pública mostra que País tem, hoje, déficit de 203 mil vagas



Perícia observa cela de prisão no Pará, onde detentos morreram após incendiar colchões, em 2014

Perícia observa cela de prisão no Pará, onde detentos morreram após incendiar colchões, em 2014

O déficit de vagas já é imenso. Do total de 607.373 presos no Brasil, o que coloca o País na quarta colocação entre as nações com maior número absoluto de encarcerados no mundo – atrás apenas de EUA, Rússia e Indonésia –, o sistema penitenciário brasileiro apresenta um déficit de 203.531 vagas.
Uma situação que tende a piorar, uma vez que a quantidade de presos em território nacional cresce em progressão geométrica: se seguir no ritmo em que está, a população carcerária deve crescer mais de três vezes nos próximos 15 anos e chegar à marca de quase dois milhões de encarcerados em 2013. Os dados são da 9ª edição do Anuário da Segurança Pública, desenvolvido pela ONG Fórum de Segurança Pública.

"Estamos chegando perto de termos dois presos por vaga no País. É um modelo completamente ultrapassado, com presídios gigantescos, sempre superlotados, que se tornaram verdadeiros viveiros de facções criminais", analisa ao iG o sociólogo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor da PUC-RS e integrante da ONG.Conforme mostra o documento, são atualmente 1.424 unidades prisionais no Brasil, sendo que em todos os Estados da federação há registros de cadeias com superlotação. Segundo o documento, somente uma unidade federativa, Maranhão, divulgou ter vagas sobrando no sistema prisional, um total de 519. No entanto, é na capital maranhense, São Luís, que se encontra o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, conhecido por casos deextrema violência, como a decapitação de detentos praticada por grupos rivais em celas superlotadas – os dados de presos foram repassados ao fórum pelas autoridades estaduais. 
Todos os outros Estados apresentam grande déficit no número de vagas. Em São Paulo, unidade federativa que concentra a maior população carcerária do País, o déficit passa dos 85 mil. Em Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro chega a 19.616, 18.913 e 11.091, respectivamente. Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima e Tocantins tiveram aumento no déficit de vagas entre 2013 e 2014. O Fórum calcula que seria necessária a construção de 5.816 novos presídios nos próximos 15 anos para dar conta do problema. 


Garrafas usadas como comunicadores em presídio em Porto Alegre: facções tomaram edifícios
Garrafas usadas como comunicadores em presídio em Porto Alegre: facções tomaram edifícios

"Um caminho para a redução dos presos passaria por acabar com a morosidade da Justiça, que, sem julgá-los, os mantêm encarcerados. Além disso, precisamos, diferente do que ocorre hoje em dia, garantir as vagas para aqueles que prendemos, além de dar educação, trabalho prisional, atendimento à sua saúde. Sem isso, as facções encontram um terreno fértil para cumprir o papel que caberia ao Estado, ausente. O que elas acabam fazendo também quando o sujeito sai da prisão, pois ele não tem apoio para seguir sua vida e acaba se agarrando a elas", completa Azevedo.
Quase metade sem julgamento Como friza o especialista e o próprio levantamento da ONG, não é só o crescimento dos últimos anos e a tendência de alta para os próximos que causa preocupação em relação ao sistema prisional brasileiro. Do total dos mais de 600 mil encarcerados, quase metade sequer passou por julgamento, deixando ainda mais superlotadas as celas de uma nação que ocupa a quinta colocação nesse quesito – apenas Irã, Filipinas, Paquistão e Peru tem proporcionalmente mais presos ocupando o mesmo espaço no mundo.
Como mostra o levantamento, 222.190 dos 579.423 presos no sistema em 2014 cumpriam pena provisória no ano passado no Brasil – aumento de cerca de seis mil em relação ao ano anterior. No total, encarcerados sem julgamento representam 38,3% dos presos em território brasileiro. Em Sergipe, por exemplo, são 2.876 presos provisórios de um total 4.057 encarcerados – 70,9% do total. No Piauí, a porcentagem é de 63,6%. 
"É necessária uma mudança total na política penitenciária nacional, porque já está mais do que provado que encarceramento não resolve a questão da violência", diz o psicólogo Cláudio Reis, vice-coordenador do Núcleo de Estudos de Violência e Relação de Gênero da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) de Assis. "Temos esses milhares de presos em péssima situação no sistema, enquanto um número enorme de outras pessoas espera por vagas. É uma bomba relógio prestes a explodir."
Mudança de leiAlém das pessoas que estão atrás das grades sem serem julgadas, outro problema que colaborou para o aumento de presos no período foi a lei sancionada em 2003 pelo então presidente Luíz Inácio Lula da Silva, segundo a qual usuários de drogas não poderiam mais ir para a cadeia devido ao uso de entorpecentes. No entanto, ao mesmo tempo em que ela entrou em vigor, foram endurecidas as penas por tráfico – o que, sem diferenciação entre um e outro, colaborou para aumentar o número de encarcerados por esse crime no País.


O Complexo Penitenciário de Pedrinhas: violência sem limites marcou local entre 2013 e 2014

O Complexo Penitenciário de Pedrinhas: violência sem limites marcou local entre 2013 e 2014

Como mostra levantamento do Departamento de Inquéritos Policiais e Corregedoria da Polícia Judiciária e do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), analisado , no ano passado, 67,7% dos presos por tráfico de maconha estão detidos por portar menos de 100 gramas da droga. Como debate o Supremo Tribunal Federal (STF) atualmente, seria necessário uma norma para delimitar quantidades que fossem capazes de diferenciar traficantes de usuários para mudar a situação.
Atualmente, enquanto apenas 9% dos presos cumprem pena por homicídio, 25% deles o fazem por tráfico de drogas. "Mesmo que muitos falem o contrário, a forma como lidamos atualmente com o problema da droga está superada", diz Azevedo. "Sem uma mudança na legislação em relação ao tema, continuaremos vendo a prática recorrente no Brasil: classe média é sempre vista como usuária e a pobre, como traficante. É um espelho dos nossos presídios e da nossa sociedade."

ENTENDA O QUE É 
Indulto de Natal e saída temporária: não confunda!
Aprenda as diferenças entre estes dois institutos

Todos os anos, quando se aproxima o Natal, a imprensa se encarrega de anunciar que diversos detentos irão passar as festas de final de ano fora do presídio, em razão do "indulto de Natal" a eles concedido.
Contudo, estas saídas que ocorrem em tal época não são decorrentes deste indulto, apesar do nome ser bem sugestivo. É necessário explicar que existem dois institutos completamente diferentes. Um deles é o indulto-natalino e o outro é a saída temporária.

Quem é detentor de conhecimento jurídico não pode incidir no mesmo equívoco cometido pelos noticiários quando confundem completamente estes dois institutos.
indulto natalino, de forma contrária ao que é divulgado, não é o “responsável” por liberar ninguém na época de natal! Ele consiste em um perdão aos condenados por determinados crimes, ensejando a extinção de suas penas. O preso sai do estabelecimento prisional para nunca mais voltar, porque foi extinta sua pena. Os requisitos para a sua concessão estão previstos em decreto presidencial.
Ora, e por qual razão o nome é indulto de natal? Bom, a origem do nome está relacionada à época em que este decreto é anualmente publicado, pois tornou-se tradição o chefe do Executivo Federal conceder indulto coletivo em épocas natalinas, conforme permitido no artigo 84XII da Constituição Federal.
Verifica-se, portanto, tratar-se de evidente instrumento de política criminal, em que o presidente da República pode determinar que certos crimes cometidos sejam perdoados e todos os que por eles respondam tenham suas penas extintas e sejam postos em liberdade. É de se destacar que, uma vez expedido o decreto presidencial de indulto natalino, os juízes das varas das execuções penais são obrigados a acatá-lo.
Apenas a título de exemplo, cita-se o decreto 8.380, de 24 de dezembro de 2014, editado pela presidente Dilma Roussef, concedendo indulto natalino a pessoa: Art. 1º, I: condenadas a pena privativa de liberdade não superior a oito anos, não substituída por restritivas de direitos ou multa, e não beneficiadas com a suspensão condicional da pena que, até 25 de dezembro de 2014, tenham cumprido um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes.
Este decreto traz ainda outras previsões e, todos os condenados que nelas se encaixarem, terão suas penas perdoadas - portanto, extintas - não tendo mais nada a cumprir na Justiça penal. Assim, uma vez beneficiado com o indulto natalino, ele sai de vez do sistema e não precisa voltar.
Então porque diversos presos são “liberados” durante épocas festivas? Bom, isto se dá em decorrência da saída temporária, que encontra-se prevista na Lei 7210/84 (Lei de Execucoes Penais) em seus artigos 122 e seguintes. Vejamos
Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:
I - visita à família
II - freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução
III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
Parágrafo único. A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.
Não bastasse, para sua concessão, o artigo 123LEP, exige o cumprimento de três requisitos cumulativos: 
1- comportamento adequado; 
2- cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente; 
3- compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

Insta consignar, portanto, que esta saída temporária pode se dar em qualquer época do ano, não apenas no natal, e sua concessão não pode exceder prazo superior a sete dias, com direito à renovação por mais quatro vezes durante o ano (art. 124,LEP).
Logo, nestes casos, o condenado recluso pode sair, porém deve retornar ao presídio onde cumpre sua pena. Evidentemente, não se trata de perdão, tampouco extinção da pena. Verifica-se apenas a possibilidade de autorização do condenado (não pode ser regime fechado) de sair temporariamente do presídio para casos específicos, conforme artigo supra citado.
É bastante comum que os condenados que cumpriram os requisitos da LEP solicitem ao juiz da vara das Execuções Penais a saída temporária na época de Natal, na Páscoa, Dia das Mães. Uma vez concedida, terá prazo determinado, sendo que, caso os condenados não regressem ao estabelecimento prisional, cometerão falta grave (artigo 50IILEP).
Sendo assim, vislumbra-se o enraizamento de uma cultura popular, denominando a saída temporária em época de Natal de indulto natalino. Mas, conforme já exposto, não se pode confundir estes institutos, já que, em suma:
                 PRESTE ATENÇÃO 
indulto de Natal é previsto em decreto presidencial e a saída temporária na lei de execucoes penais.
indulto de Natal é coletivo, enquanto que 
a saída temporária é concedida de forma individual.

indulto de Natal extingue a pena, já que se trata de verdadeiro perdão. A saída temporária, se cumprida fielmente, em nada afeta a pena; se descumprida, pode, eventualmente, fazer com que o condenado regrida de regime.


Celular na vagina não é crime, diz Juíza ao Ministério Público

LEIA O ENTENDIMENTO JUDICIAL COM ATENÇÃO

Celular na cavidade vaginal para entrada em presídio não é crime, diz Juíza ao rejeitar denúncia oferecida pelo Ministério Público




Em decisão proferida nos autos do Processo n. 0003023-49.2014.8.14.0049, a Juíza de Direito Andrea Ferreira Bispo rejeitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público do Estado do Pará, na qual se denunciou a mulher de um detento que, ao realizar visita, teria tentado ingressar no estabelecimento prisional com um celular no interior da cavidade vaginal. Durante a revista o banco detector de metais foi acionado, tendo a acusada confessado a prática às agentes prisionais.
Desde 2009, a Lei n. 12.012 incluiu o artigo Celular na cavidade vaginal para entrada em presídio não é crime, diz Juíza ao rejeitar denúncia oferecida pelo Ministério Público 349-A no Código Penal brasileiro, criminalizando a conduta de favorecimento real, consistente em “ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional”.
Contudo, de acordo com a decisão,
a criminalização da conduta de quem ingressa, promove, intermedeia, auxilia ou facilita “a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional”sem que (ocorra) o efetivo uso de tais equipamentos pelo preso, condenado ou provisório, seja crime , revela não a pretensão de tutelar um bem jurídico, mas a adoção de uma nova modalidade de delito, quer seja o crime de perigo imaginário, já que que tal conduta, por si só, não pode ser considerada potencialmente lesiva sem que nela interfira a crença fundamentalista do intérprete de que há uma classe de pessoas, chamada “bandidos”, que não tem laços familiares, de amizade e tampouco afetividade, portanto deles somente o que se espera é que cometam delitos.
Assim, tendo em vista a inconstitucionalidade do art. 349-A do Código Penal, exaustivamente abordada na sentença, a denúncia foi rejeitada com fundamento na atipicidade da conduta.
Em seguida, acompanhe a íntegra da brilhante decisão proferida pela Juíza Andrea Ferreira Bispo. Vale a leitura!
Termo Circunstanciado de Ocorrência
Autos 0003023-49.2014.8.14.0049
Vistos etc.
Sendo reconhecida a impossibilidade do oferecimento de proposta de transação penal à S. Dos S. R., qualificada às fls. 02, com base no TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA n.º 111/2014.000025-1, o Ministério Público ofereceu a denúncia de fls. 02/03, na qual a conduta da autora é descrita da seguinte forma:
“No dia 18/05/2014, por volta de 11h, nesta cidade, a denunciada S. Dos S. R. Foi flagrada tentando ingressar no estabelecimento prisional CRPP II com 1 (um) aparelho celular em sua cavidade vaginal, que seria entregue ao detento A. C. R..
Durante a realização do procedimento de revista no CRPP II, o banco detector de metais atestou que a denunciada trazia algo consigo, ocasião em que a mesma entregou o aparelho celular que trazia em sua cavidade vaginal que seria entregue a seu companheiro, detento daquele estabelecimento.
Perante a autoridade policial, a denunciada confessou a prática da conduta delituosa em tela.
A autoria e a materialidade do delito restam comprovados pelo depoimento da testemunha, pela confissão da denunciada, assim como pelo auto de apresentação e apreensão às fls. 04.
Assim agindo, a denunciada S. Dos S. R. Incorreu nas hipóteses de punição do art. 349-A, do CPB…”
Consta do referido TCO, além dos documentos de qualificação e informação procedimental, auto de apreensão de um aparelho celular da marca N., cor preta, fls. 07, e as declarações prestadas perante a autoridade policial pela agente prisional M. S. C. Da F. E pela autora. Disseram elas que:
“A relatora em epígrafe, na qualidade de agente prisional do CRPP II, apresenta a nacional S. Dos S. R., apóstentativa da mesma de adentrar a referida Casa Penal com 01 (um) APARELHO CELULAR MARCA N. escondido no interior da vagina. Que a mesma foi flagrada no momento da revista de praxe, após sentar no banco detector de metais, o dispositivo foi acionado, quando então foi descoberto que algo estava errado, ao que S. Confessou que estava com um celular escondido na parte íntima, o qual foi entregue a agente. Que o aparelho celular seria entregue ao seu companheiro A. C. R., interno da referida Unidade Penal” (M. S. C. Da F., fls. 06).
“A autora do fato declarou que hoje se dirigiu até a Unidade Penal CRPP II para visitar seu companheiro A. C. R. E que introduziu um aparelho celular em sua vagina para levá-lo ao seu marido, entretanto foi flagrada pela equipe de agentes femininas quando da revista no detector de metal, para entrada na Casa Penal” (S. Dos S. R., fls. 08).
RELATEI. DECIDO.
O art. 81, da Lei 9.099/95, prevê que o momento para que o juiz decida se receberá ou não a denúncia ou a queixa é na audiência de instrução e julgamento, logo após ser franqueada a palavra ao defensor para que responda à acusação.
Entretanto, é possível que antes da manifestação do denunciado o juiz aprecie os requisitos de admissibilidade da denúncia, desde que o faça em razão de atipicidade, ocorrência de prescrição ou falta de justa causa para a ação penal.
Tal providência não viola o princípio do contraditório, uma vez que a intervenção se dará para implementação da defesa do autor do fato, postura que cria o ambiente no qual deve transcorrer o processo penal democrático, conforme ensinam Aury Lopes Júnior :
“É aquele que, partindo da Constituição, cria as condições de possibilidade para a máxima eficácia do sistema de garantias fundamentais, estando fundado no contraditório efetivo, para assegurar o tratamento igualitário entre as partes, permitir a ampla defesa, afastar o juiz-ator e o ativismo judicial para garantir a imparcialidade. No modelo fundado na democraticidade, há um fortalecimento do ‘indivíduo’, um fortalecimento das partes processuais. A decisão, na linha de Fazzalari, é ‘construída em contraditório’, não sendo mais a jurisdição o centro da estrutura processual e tampouco o ‘poder’ jurisdicional se legitima por si só. Recordemos que o conceito de democracia é multifacetário, mas sem dúvida tem como núcleo imantador o fortalecimento do indivíduo em todo feixe de relações que ele mantém com o Estado. Fortalecer o sujeito (de direitos) dentro e fora do processo é uma marca indelével do modelo democrático, que não pactua com a ‘coisificação’ do ser. É verificar se o processo efetivamente serve de limite ao exercício de poder punitivo. É condicionar o exercício do poder de punir ao estrito respeito das regras do jogo”.
E Leonardo Costa de Paula:
“Desta sorte, a partir de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Geraldo Prado, pode-se perceber que o sistema acusatório vai muito além do que meramente separar a função de acusar e julgar no processo. É necessário que o princípio dispositivo seja perceptível, ou seja, que o juiz nunca se confunda com o promotor, nem vice-versa. O magistrado não é parte (imparcial). Portanto não pode vestir qualquer manta que o faça identificar com um lobo vestido de cordeiro. E, por isso, nunca pode ser confundido com o acusador. (…) Mas, pode, e deve, o magistrado, a despeito do que pensam alguns, ser a pessoa que vai garantir a ordem do um contra todos (HOBBES), ou seja, o magistrado em muitos momentos é o garante dos direitos fundamentais. E quando atuar como garantidor dos direitos fundamentais vai parecer, em certa medida, um defensor, mas defensor das garantias individuais e muito mais, da constituição”.
Noto ainda que a Lei nº 11.719/08, ao modificar o procedimento para julgamento de crimes de competência do juízo monocrático, trouxe dois momentos para o recebimento da denúncia, sendo o primeiro logo após o seu oferecimento e o segundo após a citação e a defesa preliminar.
Em que pese o entendimento contrário, tenho que o primeiro momento é propício para que se possa evitar o surgimento de uma ação penal, pois bem o disse Francesco Carnelutti, que o processo representa uma tortura e por isso deve ser instaurado somente quando for absolutamente indispensável:
“A Constituição italiana proclamou solenemente a necessidade de tal respeito declarando que o acusado não deve ser considerado culpado até que não seja condenado com uma sentença definitiva. Esta é, porém, uma daquelas normas que servem somente para demonstrar a boa fé daqueles que a elaboraram; ou, em outras palavras, a incrível capacidade de iludir-se da qual são dotadas as revoluções. Infelizmente, a justiça humana é feita assim: tanto faz sofrer os homens porque são culpados quanto para saber se são culpados ou inocentes… A tortura, nas formas mais cruéis, está abolida, ao menos sobre o papel, mas o processo por si mesmo é uma tortura. Até certo ponto, não se pode fazer por menos, mas a assim chamada civilização moderna tem exasperado de modo inverossímil e insuportável esta triste consequência do processo. O homem, quando é suspeito de um delito, é jogado às feras, como se dizia uma vez dos condenados oferecidos como alimento às feras. A fera, a indomável e insaciável fera, é a multidão. O artigo da Constituição, que se ilude de garantir a incolumidade do acusado, é praticamente inconciliável com aquele outro que sanciona a liberdade de imprensa. Logo que surge o suspeito, o acusado, a sua família, a sua casa, o seu trabalho são inquiridos, investigados, despidos na presença de todos. O individuo, assim, é feito em pedaços. E o individuo, assim, relembremo-nos, é o único valor da civilização que deveria ser protegido”.
Registro que tenho ciência de que os arts. 396 e 397, do CPP, se referem aos procedimentos ordinário e sumário, o que excluiria os processos que seguem o rito da Lei 9.099/95 da obrigatoriedade do duplo exame de admissibilidade da acusação.
Entretanto, sua aplicação ao procedimento sumaríssimo é possível, pois oferece uma oportunidade a mais para a defesa (art. LVCF), além de evitar que a denunciada seja submetida às agruras do processo penal desnecessariamente.
E não se deve esquecer, nunca, que o art. 394, do Código de Processo Penal, incluiu o princípio da reserva de código a partir da inserção do seu parágrafo 5º, para afirmar que “aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário”.
Dito isso, a questão que me proponho a analisar é a conformidade constitucional do art. 349-A, do CPB, que prevê como crime, punível com três meses a um ano de detenção, a conduta de quem “ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional”.
Para Guilherme de Souza Nucci, trata-se de crime formal e de perigo abstrato, cuja objetividade jurídica é proteger a sociedade, que “pode ser vítima da prática de outros delitos, caso exista comunicação dos presos com o mundo exterior”.
Porém, a criminalização da conduta de quem ingressa, promove, intermedia, auxilia ou facilita “a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional” sem que o efetivo uso de tais equipamentos pelo preso, condenado ou provisório, seja crime , revela não a pretensão de tutelar um bem jurídico, mas a adoção de uma nova modalidade de delito, quer seja o crime de perigo imaginário, já que que tal conduta, por si só, não pode ser considerada potencialmente lesiva sem que nela interfira a crença fundamentalista do intérprete de que há uma classe de pessoas, chamada “bandidos”, que não tem laços familiares, de amizade e tampouco afetividade, portanto deles somente o que se espera é que cometam delitos.
Acontece que a discricionariedade na interpretação do direito deve ser rompida seja em nome da democracia, seja pela impossibilidade de que o senso comum teórico dite a afirmação da conformidade constitucional da norma e as decisões judicias, porque tanto uma coisa quanto outra são atos “de responsabilidade política”.
Assim, no ato de julgar não há espaço para subjetividades. Há, pelo contrário, compromisso com a Constituição, base, tijolo e cimento do direito sem os quais nenhuma construção jurídico-normativa possui validade.
Se inúmeros podem ser os objetivos de quem faz chegar à posse daqueles que se encontram nos estabelecimentos prisionais um aparelho telefônico de comunicação móvel e considerando que qualquer fato comporta inúmeras narrativas, criando multiversos onde diferentes visões coexistem, ora se complementando, ora se repelindo, ora ratificando, ora retificando os significantes desse fato, o que se apresenta como dever democrático é assegurar que nenhuma visão se imporá sobre as demais como a Verdade Real, pseudo-justificativa usada todas as vezes que se pretende eliminar a divergência.
Mas se a Constituição Federal está aqui, também está aí, portanto não há a possibilidade, em um processo penal que transcorra em ambiente democrático, de que o juiz possa optar, entre as inúmeras explicações possíveis, por aquela que melhor corresponda ao seu infinito particular para assim dizer que todo preso somente usa telefone celular para cometer crimes.
Sobre esse ponto, indispensáveis são as palavras de Ana Cláudia Bastos de Pinho :
“Diante de uma cultura jurídica permeada por jargões jurídicos ou frases de efeito utilizadas para escamotear decisões judiciais, fruto das impressões pessoais do intérprete, a exigência de uma interpretação construtiva torna-se não apenas uma necessidade, mas uma urgência”.
Partindo das premissas de que ; 
1)“NINGUÉM” (mas é NINGUÉM mesmo)“será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII, CF); 
2) de que “TODOS” (são TODOS mesmo, inclusive o preso) são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, CF); 
3) e de que aparelhos telefônicos de comunicação móvel, de rádio ou similares são produtos cujo uso não é vedado, para que se possa reconhecer que há perigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido é necessário admitir a figura da responsabilidade objetiva no direito penal, pois somente assim é possível chegar ao resultado “crime” quando se agregam os fatores “preso” e “ aparelhos telefônicos de comunicação móvel “.
É fato que o discurso expansionista do Direito Penal máximo tem ditado as regras do jogo processual, mas não é possível ratificar o reconhecimento implícito de que determinadas categorias de indivíduos são inimigos naturais da “sociedade”, e que esta é um conjunto formado exclusivamente pelas “pessoas de bem”.
Desse modo, a teoria da defesa social e os conceitos de classes perigosas e inimigos internos que embasam o controle social dessas camadas da população devem ser superados em nome do reconhecimento de que não há subcategorias do homo sapiens, logo, todos os indivíduos são membros de uma mesma espécie e fazem jus à proteção do processo democrático.
A igualdade de todos perante a lei somente pode ser implementada quando a crença numa ordem jurídica coerente, imparcial, precisa e justa, que tem na neutralidade seu principal atributo, é desmascarada para que se possa reconhecer que nenhuma construção jurídico-normativa que exerça a função de criminalizar e confinar parte de seus membros em guetos possui legitimidade.
Alexandre Morais da Rosa afirma que foi ao aceitar acriticamente que a severidade penal é necessária para a autodefesa do corpo social ameaçado pela gangrena da criminalidade, que se abriu caminho “para que Jakobs, fundamentado retoricamente no contrato social”, pudesse “defender que o inimigo seria aquele que rompeu com as regras contraídas, justificando a visão de não-membro”.
Consequentemente, a intervenção penal, exacerbada e desonerada das garantias conferidas aos cidadãos, passou a ser justificada como recurso necessário para evitar os perigos que os criminosos representam para a “paz social”.
Sobre tal fenômeno, o Dr. Alexandre Morais da Rosa, prossegue dizendo que:
“A Defesa Social e o direito penal do autor retornam, sob nova fachada. Estabelecida a distinção entre cidadão e inimigo, para estes, na defesa dos bons cidadãos, deve-se, para Jakobs, restringir as garantias penais e processuais, por isso Direito Penal do Inimigo. Qualquer aproximação, pois, com os discursos da Lei e Ordem não é mera coincidência, dado que reeditam a necessidade de Defesa Social redefinindo os tipos penais para difusos bens coletivos, cuja densidade se mostra epistemologicamente impossível, embora sejam eficientes do ponto de vista da Análise Econômica do Direito. A distinção entre inimigo e cidadão, contudo, é dada a priori e, como tal, não se sustenta, pois categoriza, por qualidades etiquetadas socialmente, o grau que o sujeito pode usufruir na sociedade. Apresenta-se como uma tarifação da cidadania, a qual exclui, de antemão, todos os que se apresentam, de alguma maneira, envolvidos pelo sistema de controle social. Desde o batizado no sistema, com novo sentidos da velha periculosidade da Escola Positiva, surgem tarifações onde a dignidade da pessoa humana não tolera. Enfim, não se mostra possível dentro de uma perspectiva democrática a adoção de discurso que module a cidadania ou mesmo promova restrições aos Direitos Fundamentais (pois Direito Penal e Processo Penal são direitos fundamentais)… O que se precisa superar, de alguma forma, é a compreensão de que o Sistema de Controle Social dará conta dos problemas gerados pela alteração do modo de produção, bem como do discurso expansionista do Direito Penal e de flexibilização das garantias processuais. É necessário superar o que se pode chamar de Processo Penal do Espetáculo, movido pela junção equivocada e iludida de esforços. De um lado a Esquerda Punitiva e de outro a Direita de sempre, defendendo cinicamente os valores como representação de toda a sociedade. O resultado disso é a evidência de uma vontade de punir que precisa, sempre, de novos protagonistas. O produto ‘crime’ interessa, ainda mais quando um graúdo passa a ser acusado, pois relegitima todo o Sistema. É o bode expiatório. A discussão da segurança pública no contexto democrático precisa rever alguns conceitos que não passaram pela oxigenação democrática advinda daConstituição da República de 1988 e que continuam fazendo vítimas. Não se trata, como querem alguns, de enjeitar todo o Direito Penal, cuja importância simbólica de limite precisa ser reiterada, nem de o endeusar como a salvação das mazelas sociais. Cuida-se, sim, de responder adequadamente ao conclame democrático de um direito penal que respeite os Direitos Fundamentais, a partir da tão falada e pouco compreendida dignidade da pessoa humana. Somente assim pode-se buscar reconstruir a cidadania brasileira, nesta luta de mais de vinte e cinco anos de Constituição”.
O debruçar sobre a questão, revela quanta razão tem Luigi Ferrajoli ao afirmar que:
“O conjunto de penas cominadas na história produziu para o gênero humano um custo de sangue, de vidas e de todas as humilhações incomparavelmente superior ao produzido pela soma de todos os delitos”.
O grande Juarez Tavares ensina que “a teoria do delito tem suas limitações impostas pela ordem jurídica, que, ao definir a conduta criminosa na lei penal, traça os elementos que a compõem”, portanto, “uma conduta só pode ser caracterizada como criminosa quando está definida claramente na lei e se refere a tantos elementos empíricos quantos sejam necessários à sua compreensão” porque o Estado “só poderá criminalizar uma conduta se atender a outros princípios fundamentais: ao princípio da lesividade, ao princípio da necessidade, ao princípio da intervenção mínima, ao princípio da idoneidade e ao princípio da proporcionalidade”.
Quanto ao princípio da lesividade, continua ele:
“A criminalização de uma conduta deve pressupor, sempre, uma lesão ou um perigo de lesão de bem jurídico. Uma vez que as normas penais sejam dotadas de eficácia universal e devam ser conhecidas e acatadas por todos, e ainda atendendo às características concretas de sua infração, a criminalização deve se referir a uma alteração sensível da realidade empírica. Daí que a criminalização só pode ter, por pressuposto, uma lesão efetiva ou um perigo concreto de lesão do bem jurídico. A exigência de se acolher a fórmula de um perigo concreto ao bem jurídico e não um estado de simples ameaça constitui o alicerce de uma teoria crítica do delito”.
Já dizia Nelson Hungria que a criminalização de condutas não pode ter por fundamento uma miragem de perigo:
“O crime é, antes de tudo, um fato, entendendo-se por tal não só a expressão da vontade mediante ação (voluntário movimento corpóreo) ou omissão (voluntária abstenção de movimento corpóreo), como também o resultado (effectus sceleris), isto é, a consequente lesão ou periclitação de um bem ou interesse jurídico penalmente tutelado. Não há crime sem uma vontade objetivada, sem a voluntária conduta de um homem, produtiva ou não impeditiva de uma alteração no mundo externo. É uma vontade que se realiza. Pensamentos ou desejos que se exaurem no foro íntimo não interessam ao direito secular (que é relatio hominis ad hominem)”.
Não há crime sem resultado, por isso, somente a conduta que produza um dano real e efetivo ou a relevante possibilidade de dano, ou seja, que cria uma alteração do mundo externo que afeta a existência ou a segurança do bem ou interesse que a lei protege com a última ratio da sanção penal pode ser considerada crime.
Nos crimes de perigo, o resultado é um evento no mundo objetivo que é extraído de um fato que contém todas as condições para que a partir dele ocorra um efeito lesivo determinado.
Ou seja, por não ser um elemento arbitrário, esse perigo não pode ser extraído do medo ou da paranoia, pois o direito penal não tutela a ordem interna dos indivíduos e muito menos retira dessa ordem o resultado mental imaginado pela vítima para, integrando-o na conduta do agente, considerá-lo como elemento que integra o delito.
Por isso, se com Leonardo Costa de Paula  se pode dizer que “a persecução penal, através do Estado, acontece em dois momentos distintos: o primeiro, quando se prescreve a prática penal em abstrato, caracterizado pela Lei Penal Material e o segundo momento, no qual existe um fato concreto, a ser verificado isoladamente, tendo em vista a aplicação da lei ao caso concreto”, também se pode com ele concluir que se:
“O Brasil atual é um Estado Constitucional, por opção democrática, fundada no Estado Social Democrático de Direito, deve-se preservar os direitos fundamentais aos indivíduos e grupos, para não incidir em hipocrisia, nem afrontar as bases principiológicas constitucionais.
Nesse passo, é criada a norma penal material, que toma a forma do Estado Repressor penal; ou seja, é a definição das políticas públicas que o Estado elege como as que vão assegurar e evitar que haja aviltamento a proteção deficitária. Em contrapartida, vem o processo penal, que não deverá se preocupar com políticas públicas, mas com o fato em espécie que se verifica em concreto, para aplicar ou não medidas constritivas a liberdades individuais”.
E é por essa razão que no momento em que se pretende aplicar a lei penal não é dado ao juiz ignorar que medidas constritivas incidirão sobre uma pessoa, logo, toda interpretação que se faça do direito a ser aplicado deve estar emaranhada pelo respeito à dignidade da pessoa humana, princípio este que, conforme preleciona o professor José Emílio Medauar Ommati :
“Se apresenta a partir de dois princípios ou ideias que se relacionam: o princípio do autorrespeito e o da autenticidade. Tais princípios e ideias significam que, primeiro, toda vida deve ser respeitada e protegida. Mais que respeitada e protegida, pelo primeiro princípio, exige-se que uma vida humana não seja desperdiçada. Já pela segunda ideia ou princípio, uma vez protegida e respeitada e não desperdiçada, a vida humana deve ser vivida pelo indivíduo a partir da responsabilidade individual deste indivíduo por sua vida. É dizer: cabe a cada indivíduo construir seu projeto de felicidade, sucesso e realização de sua vida”.
O respeito a tudo aquilo que já se conquistou no tocante à proteção da pessoa humana impede que seja alijado do processo de interpretação da norma a análise dos objetivos implementados por ela, isso porque, como discorrem Alexandre Morais da Rosa e Augusto Jobim do Amaral ,
“Se, desde um primeiro caso, podemos ter uma lei sob a forma de proibição e seu correlato castigo, numa segunda modulação a esta lei pode-se agregar uma série de vigilância e correções a quem a infringe. Todavia, num momento último, a partir da mesma matriz – aquela mesma lei penal, enquadrada de uma parte pela vigilância e, por outra, pela correção – desta vez a aplicação da lei, sua organização preventiva e de correção, poderão estar estritamente governadas por uma série de questões gerenciais de outro tipo. Aqui, pois já estaremos no campo do castigo governado… Importante perceber, para nosso intento, que uma modalidade implica, com maior ou menor intensidade, a outra…”
Assim :
“Talvez seja o caso de se invocar Hannah Arendt, a qual aponta as características do regime político autoritário, ou seja, extinção do pluripartidarismo, discurso único, burocratização do aparelho estatal, repressão draconiana contra os dissidentes, propaganda estatal e ideológica em massa e fomento de um inimigo qualquer como forma de legitimar o regime opressor e controle sobre a informação, mediante restrições de censura e da liberdade de expressão. Com essa modulação, assim, a esfera privada resta invadida pelo Estado, em nome do bem, do justo, da segurança, enfim, para proteção. Esse discurso seduz ao prometer à massa que vive numa insegurança imaginária a tão almejada segurança, especialmente de neuróticos. Daí que Hannah Arendt ao analisar o julgamento de Adolf  Eichmann é capaz de demonstrar o quanto a sedução opera a partir da máxima: cumpra a lei; é seu dever. Uma adoção alienada – sem enunciação – da máxima kantiana. Entre o já dito – lei – e a aplicação, um sujeito deveria aparecer. De regra é engolfado pelo simples cumprimento de normas, as quais não lhe dizem respeito. Entretanto, longe de se acolher essa desresponsabilização, o caminho a seguir é outro. A alegação de mero dente da engrenagem é uma normalidade lancinante, e ainda faz vítima. O sujeito nesse lugar, é sempre responsável, como o é em todos os momentos da vida. Trata-se de posição subjetiva em face dos efeitos de suas decisões. Daí o espaço de uma discussão ética”.
A partir da premissa de que a persecução penal inicia-se com a criação da norma penal, recordo que a Lei 12.012/2009, que introduziu o art. 349-A no Código Penal Brasileiro, apontou que é na reação das vítimas, “aterrorizadas ante a escalada da criminalidade”, que se encontra o resultado desse crime de perigo, construção que desborda da constituição, pois legitima o processo de marginalização que se pretendeu erradicar (art. ICF).
Ora, não se constrói “uma sociedade livre, justa e solidária” e não se promove “o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (rt. 3º, III e IV, CF), quando se olvida o que disse Cançado Trindade :
“Para compreender o mundo em que vivemos, tão complexo e dissimulado, é imprescindível o conhecimento humano, e os limites deste último hão de fomentar o sentido de solidariedade humana, na atenção cuidadosa à condição dos demais, porque, em última análise, todos dependemos de todos, e a sorte de cada um está inexoravelmente ligada à sorte dos demais”.
Entretanto, na justificativa apresentada com o Projeto de Lei 7024/2004 , consta que “são comuns as notícias da existência de telefones celulares e rádio comunicadores em posse de condenados do sistema penitenciário, mesmo com a utilização de bloqueadores de ondas de rádio”, e disso não se pode discordar.
Mas embora não tenham sido indicados os dados que provam que “esses aparelhos, em especial os telefones celulares, são, na grande maioria das vezes, utilizados por membros de quadrilhas para dirigir o cometimento de crimes extramuros, ameaçar pessoas ou mesmo para a prática de crimes de forma direta, por meio de extorsões, uma vez que criminosos telefonam para as pessoas, de forma aleatória, e fazem ameaças, simulam sequestros e exigem compensação financeira”, arredou-se da discussão a garantia da presunção de inocência para se afirmar que um dos motivos pelos quais “esses crimes muitas vezes não são punidos”, apesar dos celulares serem “localizados por funcionários dos presídios, por agentes penitenciários ou em revistas policiais rotineiras”é a incompetência estatal para apurar delitos e não a inexistência de crime, mas de mera comunicação do encarcerado com o mundo exterior.
Mas “sem que haja o cometimento de crime”, o uso ou a posse de telefone celular ou rádio comunicador“ não afeta qualquer bem jurídico, pois não é possível afirmar que uma conversa do encarcerado com seus familiares é um estado de fato que contém as condições de superveniência de um efeito lesivo.
Porém, na sessão da Câmara dos Deputados que aprovou, em única votação, o PL 7024/2006 , a observação inicial do presidente foi a de que somente haviam oradores inscritos para falar a favor do projeto:
“Alguém quer falar contra, até para não inverter a ordem das coisas? (Pausa.) Ninguém quer falar contra? (Pausa.) Então, quem sabe também ninguém queira falar a favor?”, indagou ele.
Com isso, a única discussão que houve foi acerca da supressão do parágrafo único, que constava de substitutivo ao projeto original que foi adotado pela Comissão de Constituição e Justiça, e previa que“ficando comprovado que o uso do aparelho descrito não se destinava à prática de crime, o juiz poderá deixar de aplicar a pena.”
No entanto, a discussão não se instaurou para esclarecer onde se encontra o perigo de dano na comunicação que não se relaciona ao cometimento de crimes.
O parágrafo único foi suprimido, sem oposição, porque foi considerado “uma coisa complicada” que “praticamente inutiliza, dá uma enorme saída de defesa a quem tiver celular na cadeia”.
“A questão de celular na cadeia” – afirmou um dos deputados – é uma “pode ou não pode?”
Entendeu ele que “não pode existir celular na cadeia. Mas se houver celular na cadeia e puder apresentar uma prova de que, afinal de contas, não era para prática de crime, mas só para falar com a família no Dia das Mães, é melhor botar um orelhão lá e franquear para todo mundo”.
“Na realidade”, acrescentou outro parlamentar, “preso que se comunica não é preso, em qualquer circunstância, sobretudo, é claro, se ele se comunica para praticar crime. Mas qualquer tipo de comunicação de preso é indevida. Não sendo advogado, parece-me óbvio. Logo, não há que se colocar que no caso de o uso do aparelho não se destinar à prática de crime o juiz deixará de aplicar a pena. É pena para o uso de qualquer tipo de comunicação, inclusive o celular”.
Quando não se sofre a ” angústia das pequenas coisas ridículas” :
“Dá-se o mesmo que no caso conhecido: é certo que não haviam bruxas, mas as terríveis consequências da fé nas bruxas foram as mesmas que se verificariam se tivesse havido bruxas… É verdade que até agora a fé não conseguiu mover nenhuma montanha real, embora isso tenha sido afirmado por não sei quem; mas ela consegue por montanhas onde não há” .
Bastou que a mídia noticiasse que os muros do cárcere já não exterminam a voz do encarcerado para que a autoria das mensagens de texto dizendo que “sua linha OI foi premiada com uma casa+{R$30. Mil} na MAGAZINE LUÍZA 2015 LIGUE JA P./ central 031.85987642259 (senha. 15.00.91)”, não fosse mais investigada.
Esse estereótipo do homem-não-humano criado pelos veículos de comunicação e construído, como ensina Salo de Carvalho, “a partir da superexposição de algumas características particulares que diferenciam o sujeito em foco das demais pessoas”,franqueou as portas do direito penal aos exercícios de futurologia. É que a estigmatização, continua Salo de Carvalho :
“Cria um recurso classificatório que permite categorizar pessoas, grupos e locais como normais e anormais, superiores e inferiores, bons e maus. O efeito imediato do processo de estigmatização é a redução da pessoa ao estigma: ‘deixamos de considera-lo [sujeito estigmatizado]criatura comum e total, reduzindo-a a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande (…) e constitui uma discrepância específica entre a identidade social virtual e a identidade social real.
Para além desta inferiorização do sujeito estigmatizado – que será bastante útil para os sistemas punitivos autoritários justificarem o uso desmedido da força para a neutralização social ou, até mesmo, para a eliminação física dos anormais – a construção de uma identidade gera, no corpo social, determinadas expectativas positivas em relação ao comportamento do portador do estigma: expectativa de que a pessoa considerada anormal realize condutas anormais, ou seja, que o criminoso pratique crimes, que o louco cometa atos insanos; que o viciado se mantenha no vício; que o mau aluno seja reprovado; que o mentiroso produza falseamentos e distorções da verdade; que o enganador induza as pessoas a erro. O processo de consolidação do estereótipo e da atuação conforme a expectativas deles derivadas é identificado, a partir da contribuição da teoria social de Merton, como um sintoma de profecias que se autorrealizam (self-fullfilling prophecy).
No campo da literatura, Sodré (2009) destaca que o romance policial, uma das bases narrativas do jornalismo sensacionalista, adquire uma importante função ideológica com a demonstração da anomalia do crime: “caracterizando o criminoso como algo à parte, um ser estranho à razão natural da ordem social, o romance policial faz parte desta pedagogia do poder que, através da diferenciação dos ilegalismos, constitui e define a delinquência. O criminoso da ficção é alguém não reconhecido como o sujeito desejável na ordem social, sendo por isso necessário identifica-lo (resolvendo o engano) e puni-lo.”
Jock Young (2002) interpreta as técnicas de representação e de construção social do crime e dos criminosos (estereótipos e estigmas) a partir das categorias essencialização. Segundo o autor, a essencialização dos criminosos e dos desviantes é o pré-requisito necessário para a sua demonização e posterior exclusão social. O estereótipo aplicado ao outro, a essencialização da alteridade, permitiria uma conveniente simplificação do problema do crime e do desvio, pois, a partir da identificação de determinada características de pessoas e de grupos anormais, o sistema de responsabilidade criminal seria colocado em marcha. O efeito simbólico desta exclusão seria o da reaquisição do sentimento de segurança – sobretudo se as ações nas áreas de segurança pública forem divulgadas pelos meios de comunicação de massa como resultados efetivos (virtuosos) da política criminal.
Neste cenário, os procedimentos punitivos, intermediados pela intervenção da imprensa, criam rituais catárticos de execração dos bodes expiatórios. Exatamente por isso, os criminosos (e as próprias vítimas) são transformada em verdadeiros párias sociais, pois considerados diretamente responsáveis pela emergência de insegurança coletiva”.
Assim, com Marcus Alan de Melo Gomes e Fernando da Silva Albuquerque , é que se pode dizer que “os discursos criminalizadores servem a todos os gostos” e:
“Encontram na atuação dos meios de comunicação um farto material a ser aproveitado a fim de legitimar suas propostas punitivas. Embora o discurso produzido pelos meios de comunicação seja extremamente superficial e, portanto, imprestável para dar conta minimamente de alcançar a complexidade do real, pelo só fato de se dirigir à opinião pública e possuir uma importante força de convencimento em relação às massas, já é possível compreender de que forma os discursos criminalizadores se apropriam da realidade inventada pelas notícias, a fim de convencer o senso comum de sua importância e suposta efetividade.
E como a relação entre oferta e procura se instaura inclusiva na política, se há demanda criminalizadora, se há eleitorado sedento por mais direito penal, não tardam em aparecer os representantes aptos a atender essa demanda e a levar ao âmbito político e institucional as mais variadas propostas de alteração legislativa e de execução de políticas públicas. Em nome da sociedade e da segurança, claro. Encobrindo sempre que a oferta, aqui, esconde interesses eleitorais e de manutenção da clientela política”.
Ao discorrer sobre o papel da mídia no etiquetamento dos indesejáveis, Hélio Bicudo  apresenta o mesmo entendimento:
“Quem se der ao trabalho de analisar, ainda que por poucos dias, a abordagem utilizada por esses programas ou pelos nossos jornais e revistas, irá constatar o predomínio do raciocínio maniqueísta: o certo e o errado, o honesto e o desonesto, o trabalhador e o vagabundo, o policial e o delinquente. Para alguns locutores e repórteres, os delinquentes são indivíduos “peçonhentos”, “imundos”, “debiloides”, “loucos”, “safados”, “sangue ruim”, etc. E sua avaliação da Polícia segue o mesmo padrão, mas no sentido inverso. Eles traçam um estereótipo tanto para do delinquente quanto do policial. Um representa o mal, o outro o bem. Um o certo, o outro o errado; uma a verdade, o outro a mentira.
Em geral, essa atitude da imprensa detém-se nas manifestações particulares do fenômeno da criminalidade, destacando o delito praticado por pessoas pertencentes às camadas populares. Ao proceder dessa forma individualiza as causas – só pode ser o próprio marginal, por motivos pessoais e até naturais, o responsável pela crescente onda de violência.
Convém observar que os “locutores-heróis” dos programas de rádio alimentam uma mistificação popular sem precedentes. Gravam depoimentos – às vezes, de pessoas altamente qualificadas para abordar temas ligados à violência – e, depois, montam as entrevistas. Sua intenção é direcioná-las, de modo a obter a adesão popular para as suas ideias reacionárias e paternalistas. Destratam delinquentes, com quem sequer dialogam; ou ridicularizam opiniões de terceiros, mediante arranjos que apelam à emoção, em verdadeiros estelionatos radiofônicos. Na tevê, as encenações usam os sentimentos daqueles que tiveram violados os seus interesses, abusando de lágrimas de crianças e mulheres oprimidas; ou então, recorrem aos debates ao vivo, sempre oportunisticamente montados. Nada visa esclarecer ou conscientizar. Tudo procura, com sensacionalismo, propagandear a violência e enfatizar a necessidade de soluções duras, como a inserção na legislação penal de novos tipos criminais, reclusões perpétuas ou mesmo a pena de morte.
O objetivo não consiste em resguardar a sociedade de violência, mas em reprimir – e assim oprimir com mais eficácia as classes populares. Afinal, as nossas leis penais deixam de valer quando dirigidas aos agentes que atuam nos segmentos mais privilegiados da sociedade e que eles pertencem.”
“O senso comum é agressivo: deve-se punir cada vez mais e cada vez mais a penas longas e cada vez mais com menos benefícios no momento da execução penal… e cada vez mais condutas devem ser tipificadas”, diz Amilton Bueno de Carvalho, pois a partir do discurso da insegurança não mais se distingue, como afirmou Robert Castel, a insegurança da sensação de insegurança, e são os grupos em situação de mobilidade social descendente que constituem o “húmus privilegiado sobre o qual se desenvolve o sentimento de insegurança que é indispensável recuperar para justificar a dimensão coletiva deste sentimento” .
A crença de que o crime decorre da impunidade afasta da discussão qualquer possibilidade de que se investigue as causas subjacentes ou de que se possa perquirir se de fato o bem jurídico tutelado merece a proteção no contexto de um Estado Democrático laico. E de novo é Amilton Bueno de Carvalho quem desnuda a vagueza do argumento punitivista :


“E como crença que é, depende unicamente da fé (justifica-se por si-mesma): não interessa saber se é verdade ou não, se isso está comprovado ou não – a fé indica que é e pronto, é-porque-é!